quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

nova morada

Amigos! Nestes dias de quase partida, aqui fica an ova morada do pombo com mandioca:
www.pombocommandioca.wordpress.com

Abraços!
Pomco, por enquanto ainda sem mandioca

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O tempo necessário, ou que saudades do chá preto à sombra da mafurreira

O tempo necessário para algum acontecimento é sempre muito pessoal. A vivência interior de alguns momentos rapidamente desaparece, enquanto noutras situações, o tempo vivido é muito para além do acontecimento em si. Devíamos contar a nossa vida pelo que realmente, em verdade, demoramos a vivê-la, e não em termos de calendário mensal.
Esta inadaptação ao tempo proposto pela natureza tem-me feito pensar. Movemo-nos muito, mas a cabeça nem sempre está por onde o resto do corpo anda. O coração então, ainda menos. Mas se cada um de nós é um ser indivisível, e coração, pensamento e substância andam sempre juntos, como é que é possível esta fragmentação?

A culpa é do avião.

É muito bom atravessar África lá por cima, e chegar a Maputo em pouco mais de 15 horas. É muito bom atravessar todo o Médio Oriente, saber-me a sobrevoar todas aquelas terras míticas que ligam a península arábica à Índia. O mar vermelho, as cidades marcadas a compasso nas grandes avenidas iluminadas após o por do sol. É mesmo muito bom.
Mas é causador dessa grande perturbação que é o jet lag.
Pior! Mind lag. Vocábulo que utilizo, espero eu, numa estreia mundial. Ou seja, as pernas já chegaram, os souvenirs handicraft já forma entregues, as fotografias já andam há um mês no computador e não há meio de se organizarem sozinhas. Mas...
O desejo, o último pensamento antes de adormecer, a expectativa ao acordar, não estão aqui. Quer dizer, estão, numa espécie de escala entre viagens, um pouco mais demoradas que o habitual, é certo.
Estou em escala.
Essa é uma verdade sentida com profunda alegria. Inquietação também, alguns suspiros melosos, umas noites de insónias. Mas se noites mal dormidas fazem parte da vida de um viajante, imagine-se uma escala de semanas, meses...
percebo que cada momento da vida nos pede aquilo que conseguimos ser, para que o sejamos em profundidade. Sei. Por isso, quando olho pela janela e me apetece contemplar o Índico, ou os cajueiros das minhas manhãs e fins de tarde ao vento, quando sinto que aquele suspiro melancólico vem quase aí, páro. e sorrio. Porque tudo não passa de uma longa escala.

Passageiro em trânsito, é o que devia estar no bilhete de identidade, que por acaso tenho de renovar. Só não sei qual morada colocar. A oficial ou as verdadeiras?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

a chegada demorada

Ando a chegar aos poucos, devagar. Ainda devo ter algumas partes sobre qualquer parte interior de África, que ficaram retidas nos ventos do deserto, ou sobre as árvores das florestas tropicais, porque não me sinto completo nem totalmente acordado. Pronto, voltei e a cidade é bonita e matar saudades é bom, mas quando é que acordo? Ainda não me sinto de olhos mesmo abertos. Ainda não me vejo totalmente sobre a terra, e Lisboa tem-me parecido como um óptimo lugar para férias. Mas o que querem? Sinto-me distante daqui, desta realidade, deste modo de viver, sinto-me estrangeiro, peregrino, inadaptado. Não é que não o sentisse antes, mas agora é mais visível e verdadeiro este sentimento. Ando a perceber a minha natureza e de facto não é esta. Não me sinto a construir. Não me sinto a sonhar aqui. O que sonho e me entusiasma fica muito longe, noutros olhares e noutros gestos. Noutros cheiros e noutra neblina matinal, noutra sombra fresca, sem alcatrão e passeios e sinais de trânsito. Sem este barulho constante, e acima de tudo, sem pressas.
Será isto mau? crei que não, mas que não é fácil, isso acreditem que não é. O mais difícil de partir é voltar. Saber-se diferente, saber que nada será o mesmo, e conseguir transformar o momento presente de acordo com o que vamos sendo. Às vezes parece que ninguém percebe que estamos diferentes. É um bocado como se fossemos invisíveis. Muito poucas pessoas nos olham com um olhar renovado e descobridor. Temos uma imagem que já não nos representa, mas o mundo, com as suas preocupações e ocupações, não repara. E o que é que podemos fazer? Seguir em frente, e querermos voltar à nossa verdade, que de facto agora não passa por aqui.
Onde estarei eu neste momento? Algures à sombra de uma árvore, a ver passar o tempo e a vida.

sábado, 13 de setembro de 2008

a lua encheu novamente

A janela ainda aberta faz entrar o luar. espreito e vejo outra vez uma lua cheia e luminosa. Como me lembro dessa lua cheia de Moçambique, nesse céu onde mesmo a lua cheia não esconde todas as estrelas, como aqui.
Vejo o que está à minha frente, lá fora e cá dentro. Os prédios, os livros, o espaço. E sinto ainda um olhar de estranheza, Parece-me que ainda não cheguei completamente a esta casa que é a minha. Tudo me parece sem horizonte e sem ritmo. É estranho acordar já com o dia nascido. Faltam-me as árvores e o ar fresco a entrar pela janela do carro logo pela manhã. Faltam-me as pessoas, os pensamentos e projectos, o assistir diariamente ao crescimento de algo.
Agora que olho por um tempo a lua, sei que está também cheia sobre Manjacaze e Macasselane, sobre a casa dos meus amigos, de uma nova família, num sentido afectivo e bondoso. Sei que o telhado da nossa nova construção brilha com a luz do luar.

Fico então à espera que o resto de mim vá chegando.
Talvez uma parte não volte, como esperança de regressar.
Lá onde fiquei, mesmo depois de vir.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Macasselane e o Mar da Palha

O dia quase a começar. As luzes da grande Lisboa ainda acesas. o sono da viagem misturado com a visão bonita da chegada a casa. A uma das casas, parece-me. Que agora ando com muitas pátrias e moradas cá dentro.
E as memórias da minha aldeia e do meu trabalho, que ainda hoje me fazem olhar pela janela á espera de ver um cajueiro e o caminho rumo a Macasselane.
hão-de chegar aqui ainda algumas imagens, e o pombo ainda continuará a ter a mandioca por companhia.

sábado, 30 de agosto de 2008

várias memórias, enviadas já da grande cidade de Maputo!

27.08.08
hoje tem sido um dia diferente. Não fui trabalhar para Macasselane, o que me pareceu pouco vulgar, porque a rotina instalou-se, e faltou-me de certa maneira aquele belo caminho matinal, entre as árvores e o horizonte aberto dos campos baixos, com arvoredo ao fundo, e aquela bonita luz do nascer do dia, com o sol a abrir caminho por entre a neblina da manhã. Bem, hoje também não seria assim, porque o dia amanheceu cinzento, quente e húmido, e apenas lá para o fim da manhã se viu a luz do sol. Mas mesmo a tarde tem tido muitas nuvens e nevoeiro à mistura. Próximo já que estou da partida, preparo algumas coisas que faltam ainda, para amanhã o dia ser de despedida em Macasselane, e aqui em casa. Sexta pelas cinco horas saímos de chapa para Maputo. Chapa aqui quer dizer um pequeno autocarro. Alguns têm horário, outros ficam à espera até encherem, o que me faz lembrar a Índia, sem, no entanto, aqueles homens pendurados na porta a gritar o destino do autocarro. Aqui o ambiente é mais musical e menos vocal, com uma bela aparelhagem muito acima do possível tecnicamente.
Manhã passada em voltas, tratando de assuntos que quero ver tratados antes da partida. Felizmente no meio de alguns acontecimentos complicados, a vida aqui encarrega-se também de trazer novidades boas, esperanças e mudanças. Logo de manhã, Concelho Municipal. Tive de escrever um pedido para mandar fazer uma campa simples na sepultura do pequenino Pedro. Três idas depois lá consegui ultimar (utilizando a expressão daqui) o necessário requerimento. Depois passei pela Cruz vermelha, que aqui tem um centro ortopédico, dos melhores do país, que tínhamos já visitado uma vez. Temos uma menina aqui nas refeições em Manjacaze que tem um problema numa perna, e é trazida sentada num carrinho pela irmã mais velha. Sabemos que foi operada em bebé em Maputo, mas uma das pernas está paralisada. Vamos levá-la ao médico e á fisioterapia. Falando com a médica e com o director da cruz Vermelha daqui é possível arranjar alguma tala, ou muletas, ou algo, que a faça poder andar sozinha, e fisioterapia para corrigir a postura e aliviar as dores. Isso é muito bom. Temos também um menino novo connosco, primo do pequeno Ítalo, que felizmente veio para cá numa situação de desnutrição ainda não muito grave. Está a ser acompanhado, e bem, por nós e pela médica. Os efeitos da fome numa criança são inimagináveis para quem, como eu há umas semanas atrás, não conhece a realidade de perto. Vai muito para além das imagens que as televisões teimam em passar de África. Não é só uma barriga inchada, mas deformações nos ossos, cabelo a mudar de cor (imaginem que esta criança, que tem o nome de Pequenino, o que por agora até fica bem, mas daqui a 20 anos talvez seja um pouco inadequado, tem cabelos aloirados. Sim, é castanhinho mesmo escuro…com alguns cabelos claros.). E sobretudo, e isto é de longe o que mais interroga, um olhar vago, um corpo sem reacção a estímulos, uma mão mole, que não agarra nem prende, e uma tristeza profunda no rosto e no olhar. Ver uma criança profundamente triste é algo inusitado, não natural, contra as leis da vida. Ver o olhar fixo apenas numa coisa, na comida no prato. Não se esquece facilmente esta expressão de uma vida a implorar por algo para comer. Mas o bonito é que, 2 dias depois, já anda, brinca, ri, balbucia. Dois dias apenas!
Aqui do Centro Nutricional a maior alegria é o Vânio. Nas primeiras duas semanas sempre que eu aparecia na sala ao jantar, ele chorava de maneira tal que eu tinha de sair. Agora, com o tempo, e umas visitas ao hospital quando esteve internado com malária, quando me vê ri, brinca, com um olhar muito vivo, brincalhão e maroto. Até os olhos estão mais brilhantes. Não é que me vou embora com esta boa recordação? Fico feliz.
Muitas situações têm passado à nossa frente, algumas ainda por percebermos como ajudar, outras em que vamos fazendo alguma coisa, em busca de soluções. Uma rapariga, dois anos mais nova que eu, com três filhos, um dos quais este Pequenino, que há poucos anos teve uma desequilíbrio mental grave e vive em condições sub-humanas. Amanhã vai ser visitada pelas equipa aqui do hospital que vai à aldeia onde mora. Há esperança. Duas irmãs, a Rosa e a Sonjenete, que carregam água no mercado para terem dinheiro para comer, porque a mãe está doente e a machamba está seca com a falta de chuva. Há também esperança, porque começámos um apoio que as liberta deste trabalho difícil e injusto. Muitas histórias de vida de quem luta a sério por sobreviver.
Ainda na segunda-feira, à vinda de Macasselane com o fr. Xavier, encontrámos uma família que trazia uma vovó que tinha tido alta do hospital mas que ainda não conseguia andar bem. O local onde os encontrámos, e lhes demos boleia para casa, está a uns 5 km da vila. Traziam a vovó num carrinho de mão, por não terem mais possibilidade nenhuma. 5 km a puxar um carrinho de mão com uma pessoa doente dentro.
Aqui assistimos a experiências inimagináveis. Mas o que me deixa sem palavras é ver como aguentam estas pessoas tanta dificuldade, tanto esforço para tudo. Ao mesmo tempo é uma Graça poder ajudar, contactar com esta realidade, abrir caminhos, ser sinal de que as coisas podem ir mudando. E o mais misterioso é que mesmo estas realidades difíceis, quotidianas, dão alento para trabalhar. Vinha a falar precisamente disso com o fr. Xavier quando encontrámos aquela família. Ao voltarmos, olhámo-nos os dois, como quem diz: ora aqui está o que falávamos. Deus aqui é directo, claro. Põe-nos as respostas à frente, sem meias medidas. E dá-nos a responsabilidade de actuar.

29.08.08
Ontem, quinta-feira, despedida de Macasselane. Um dia emocionante, emocionado, vivido com muita intensidade. Sobre este dia, e os momentos de convívio, alegre mas já um pouco triste, pela despedida eminente, escreverei quando conseguir dizer-me a mim próprio o que significa para mim. Ainda é muito cedo, ainda ando a tentar perceber todo este tempo, que por agora tem um intervalo, um fim, uma etapa nova. Sei apenas que me deixou profundamente, mesmo muito profundamente comovido, não de modo choroso mas como quando se olha algo que não se compreende de tão bom que é. Claro que os olhos ficaram desfocados, a voz um pouco trémula e muita coisa se calou por saber que não seria fácil dizê-lo. Por isso foi a despedida possível. Mas acima de tudo foi um grande encontro. Não um adeus, mas, à maneira moçambicana, um “estamos juntos”. Terei saudades, melhor, sentirei falta, do caminho até Macasselane, de conversar e rir com o fr. Xavier, e de tudo o que tenho registado, e muito mais que anda pela memória. É impressionante como podemos ficar tão ligados a lugares e pessoas em tão pouco tempo. Mas a intensidade com que tenho vivido tudo é tal que me deixa marcas fortes. Um silêncio pouco silencioso teima em aparecer. Imagens, sons, sentimentos aparecem como se o que tenho cá dentro teimasse em não desaparecer. Sei que não desaparece. Sei que tive o enorme privilégio de viver algo muito bonito e bom. E saber isso deixa-me tão feliz.

Ao mesmo tempo que ainda vivo tudo isto, hoje foi a fatídica manhã da despedida de Manjacaze. É verdade.
Destino: A grande e mítica cidade de Maputo.
Ainda brinco com a Tassy que para mim será sempre Lourenço Marques, mas essa é a grande vantagem de nascer um mês após a independência deste grande país. Posso brincar com memórias históricas com a liberdade apenas possível por quem não as viveu. Ainda bem que é Maputo, moçambicana, quente, cheia de vida e pessoas.
Mas antes a memorável viagem de chapa. Ora um chapa é um mini autocarro, com teoricamente 13 lugares, mas onde à vontade cabem 18 pessoas, mais cobrador de bilhetes, mais malas e malas e sacos. Ora cá viemos nós aconchegados, entre braços, pernas, bancos pouco sólidos, costas pouco direitas e bagagem até ao pescoço. A boa notícia foi a paragem técnica para mudar de pneu. Abençoado furo, que nos deu tanta alegria! A chegada a Maputo passa por uma zona enorme de mercado de rua. Lá ficámos nós na Junta, apanhando outro autocarro até ao centro da cidade. Agora sim! Em pé, mas de pescoço altivo, cabeça erguida e espaço para mexer! E seguidamente outro chapa, mas desta vez por pouco tempo, até aqui a casa. A tarde foi passada a passear de carro pela cidade, a marginal junto ao Índico e à foz do rio, a Baixa da cidade, de avenidas largas, com árvores, muitos prédios altos, muita gente e muito trânsito, a costa do Sol, junto ao mar, e a zona da Polana. Maputo tem muita arquitectura dos anos 50 e 60, que na sua maioria acusa o peso da idade, mas com um ar moderno e inesperado para uma cidade africana. Nota-se que nesta altura seria uma cidade bastante vanguardista em termos arquitectónicos. O carácter moçambicano, no entanto, toma conta de tudo e dá à cidade um carisma livre e solto, libertando-a de uma personalidade europeia, num tom movimentado e feliz. Esta maneira de andar pelas ruas, este barulho, esta vivacidade das pessoas é contagiante, e felizmente perverte o carácter algo organizadinho do urbanismo. É uma grande cidade! Avenidas largas ensombradas cheias de gente, um ar internacional na mistura de gente, um dinamismo crescente, este barulho de fundo que se ouve a partir da janela aberta do quarto. Fascinam as perspectivas largas das grandes avenidas, com os prédios mais altos a balançarem a horizontalidade da vista, e descer a av. Eduardo Mondlane sabendo que lá no horizonte estará o Índico!
A arquitectura moderna, cheia de esperança e largueza de horizontes finalmente cumpre os seus desígnios. Certo, com as cores algo desbotadas, mas o futuro está aí, e a cidade parece ter-se levantado para os dias que virão, em que as utopias da cidade para um novo homem se realizam. O melhor, e mais sedutor, é que isto acontece de um modo novo, em que ao rigor do traço dos edifícios, de sentido europeu, corresponde um céu africano, uma cidade humana diversa e tropical, uma moçambicanidade que dá a volta a tudo. E o que nos parece ao primeiro olhar uma cidade europeia deslocada no espaço surge com o tempo como uma outra maneira de estar no mundo e de viver a modernidade ainda por cumprir. Tudo ganha vida.
Que diferença de Manjacaze, já para não falar de Macasselane! Sinto-me me um pouco como alguém que vem á grande cidade pela primeira vez. Saímos de carro e eu todo contente por passear por aqui, cabeça de fora e a dizer uau a tudo. É uma cidade interessante para viver. Quem sabe.
A dias de distância da viagem de regresso é aqui na capital que agora começo a olhar para trás e ver todos estes dias, manhãs, tardes, anoiteceres, noites estreladas, conversas, olhares, trabalho, sentimentos, alegrias, tristezas…Maputo é de certo modo uma porta, que quase se fechará quando descolar rumo a Norte. Mas até lá ainda há muito para aproveitar. Viva Maputo!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

a festa de inauguração!!!

Aqui o mulungo trabalhador e a mamã Maria, que me chama sempre de filho, a minha mais atenta professora de changana e de quem vou ter muitas saudades. Foi tirada no sábado antes da festa. Aqui um dos vários momentos de dança e cantigas. Kanimanbo Hosi. Obrogado Senhor. Assim se festeja e agradece em Macasselane! E que bonito e comovente é estar aqui!
A benção do refeitório, com os papás e mamãs em fundo e algumas das crianças. como podem verificar, todo o telhado está já colocado, e os aros das janelas também!
Aqui o grande almoço depois da festa. Boa comida, cervejinha gelada, refrigerantes...bom ambiente, de festa e alegria. à sombra da mafurreira grandiosa que nos acolhe e protege. Ao fundo a cozinha, que será o próximo edifício a ser remodelado. ficará menos descapotável, mas mais eficiente. Mas, assegurando as preocupações estéticas dos arquitectos e designers, será em material local. Por isso é esperar para ver!

Imagens algo explicativas e palavras, não tão explicativas

Aqui vão algumas fotos, seguidas de textos:
Ora já cá cantam as paredes feitinhas! Quem diria, hem? reparem na proporção da fachada principal, na geometria do conjunto e no ritmo de abertura de vãos. um clássico actual, diria eu. Aqui efectuam-se os chamados arranjos exteriores, com o abate de árvores velhotas e doentes, no chamado método tradicional de desbaste profundo, ou seja, corte total.
Aqui é já sábado no fim da manhã!!! Oh que perspectiva gloriosa! oh que perfeição de acabamentos!oh que peso têmelas asnas,para as colocar lá em cima! reparem ,aqui já temos quase meio telhado!
25.08.08
Três dias intensos de significados e mistérios. Deus é inesperado, intenso e frontal. E feliz. e doloroso, e a sua presença inquietante.
Hoje, ao caminhar com a mamâ Alice ela dizia sobre a construção de Macasselane: “Deus está. Deus caiu aqui”. A imagem de Deus a cair no meio da aldeia, com uma construção quase concluída e as galinhas á solta não deixa de ser interessante. Mas de facto é verdade. Deus está, e, misteriosamente, caiu ali.
Ora sexta-.feira finalmente chegou o carpinteiro, para fazer o telhado. Lá vamos nós, seguidos pela carrinha com o material, que por sorte avariou mesmo perto da obra, o que mesmo assim não nos livrou de carregarmos barrotes e chapas de zinco uns bons metros. Tudo se tem de fazer…
Sábado, grande dia, longo e feliz. Iniciámos o trabalho às seis da manhã. Ver nascer o sol em Macasselane, por detrás das árvores, e a luz poeirenta a descer da copa das árvores até ao chão, iluminando os caminhos, as palhotas, as cercas e as machambas. Depois, trabalho! Ora bem, como podería os nós colocar duas asnas pesadas e grandes lá em cima, onde devem ficar? Que método engenhoso, moderno e inesperado? Claro está que eu ainda duvido do que não deveria já ter dúvidas, porque sim, é possível colocar duas asnas a três metros de altura com seis homens e uma escada de bambu, cujo aspecto não oferece uma réstia de confiança. Mas não é que foi possível? Ainda nem percebo como, e já lá vão dois dias. Depois foi ajudar a colocar todos os barrotes e as chapas de zinco. E tínnhamos nós um telhado ondulado e brilhante à luz do sol. O trabalho prolongou-se pelo dia fora, e como esparávamos o fr. Xavier, fomos ficando à conversa, e o dia tornou-se por do sol, e depos crespusculo e depois um céu laranja forte, e depois estrelas. Em pé, em volta de uma fogueira, lá fomos ficando a aquecermo-nos, na conversa. Rodeados de escuro e sombras. Que noite feliz, ali, e que viagem de regresso, sentado com o sr. Francisco, o carpinteiro, e o Tiago, ajudante, na caixa aberta da carrinha, a caminho de casa, ao vento e ao frio da noite, a ver o céu e as árvores iluminadas pelo carro, como na noite da chegada. Que sensação de liberdade, de paragem do tempo, de horizonte, de que muito é possível. Que dia! Que dia! Ver finalmente o telhado a ser colocado, chapa a chapa, e o interior do refeitório cada vez mais ensombrado e fresco, à medida que o dia ía ficando cada vez mais quente. A felicidade das mamâs e dos papás, a nossa cara de alegria ao ver a obra a ganhar forma e cobertura. Como é possível construir uma casa com boa vontade e muito trabalho ainda me deixa impressionado.
Cheguei a casa cheio de frio, sujo, cansado, poeirento, despenteado e muito feliz. Quanto mais sujo mais contente!
Como a vida tem muita coisa que nos faz parar, pensar e rezar, uma notícia muito triste esperava-me ao serão. O domingo teve a benção de começar com uma missa ainda mais bonita que o habitual, porque houveram danças e muita música, o celebrar missa o padre Ítalo ,vindo de Itália, e a comunidade querendo fazer festa. Deixo à imaginação de cada um a beleza e a vivacidade de toda a celebração. Ajudou-me a viver a tristeza de modo profundo, reconciliador e esperançoso. A tarde foi dura, difícil, mas reparadora ao mesmo tempo. Tenho a consciência de que muita coisa não percebo, mas que o grande mistério da vida pertence ao campo da própria origem e sentido do mundo, e que esse mistério só pode ser vivido em comunhão rezando, quer seja a chorar, cantar, dançar, calar. Sobre esse lado da vida que aqui vivo intensamente, e sobre essa tarde de confronto e dolorosa, fica uma memória ainda demasiado difusa, que sinto ter ainda de assentar e encontrar o seu lugar em mim. As palavras não dizem nada ainda.
Hoje, segunda-feira, dia 25 de Agosto do ano da Graça de 20078, houve festa em Macasselane. Festa de inauguração do refeitório, festa em almoço entre todos os trabalhadores da construção, festa com boa comida e bebida, muito merecidas, festa com dança, música, alegria e muitos motivos para agradecer. Um trabalho comunitário, feliz, com futuro e esperança. Um bom exemplo para o mundo. Oxalá aconteça o mesmo por esse mundo fora.

sábado, 23 de agosto de 2008

O pequeno Pedro partiu

Caros amigos:
Estava hoje preparado para vos contar os últimos dias, especialmente o dia de hoje, cheio, cheio de coisas boas.

mas,
amigos,
O pequeno Pedrinho tornou-se grande. Grande porque partiu para o Pai. Neste momento de tristeza, digo-vos que morreu injustamente, porque não foi salvo como devia, porque não o consegui salvar, porque de certo modo sinto que foi deixado morrer. A começar por mim.
Por hoje é o que consigo escrever.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

paredes feitas e caminhos mato adentro

19.08.08
Possa eu merecer o bem que aqui me é dado. É a frase última que escrevi. É também o que me apetece dizer neste momento, em noite de lua já não tão cheia como ontem. Acabámos hoje as paredes do refeitório. Falta apenas retirar as cofragens dos pilares nos cantos superiores. Mas acabámos a construção das paredes. Finalmente a casa tem forma, limite, interior e exterior, tamanho. Um dos grandes, antigos e algo doentes cajueiros em redor foi hoje abaixo. É impressionante como uma árvore tão grande pode ser derrubada em meia hora, com serra e catanadas bem pensadas, ramo a ramo, até ficar apenas parte do tronco. Verdadeiramente admirável. Eu ainda estava a pensar como seria possível deitar abaixo o cajueiro sem estragar a construção, e já estava um grande ramo a cair, muito perto de uma das paredes. Aqui parece que tudo se faz assim. É preciso fazer, faz-se. Os meios é que são algo diferentes daqueles que eu já conhecia. E ainda dizem que este país não anda. O país não sei, mas as pessoas andam com certeza, e realizam, e fazem, e trabalham.

Atenção arquitectos:

Construiu-se uma casa sem misturadoras de cimento, sem máquinas de género algum, sem andaimes, sem engenheiros de estruturas, técnicos, sem desenho rigoroso à escala. Utensílios já existentes: 3 pás, uma enxada, 2 espátulas de pedreiro, um nível em metal, luvas de borracha, 2 fitas métricas, fio de pesca, um carrinho de mão. Nada mais. Material comprado: sacos de cimento, ferro, alguns blocos para as fundações. Mais nada. Parece mentira. Faltam ainda as chapas de zinco para o telhado e a madeira para o trabalho do carpinteiro. Como é possível erguer-se uma casa com tão pouca “tecnologia”. Ora passo a explicar. Abrir fundações, com enxada e pás. Marcar os cantos e a ortogonalidade: pequenos troncos pregados em forma de U, espetados no chão. Reforçar fundações: bater a terra com maços. Brita para as fundações: restos de blocos e entulho pequeno, literalmente martelado até ficar em pó. Levantar paredes, com nível e fio de pesca. Fazer blocos: misturar terra local com cimento, e colocar a mistura na forma. Vigas em betão armado: brita, martelada também manualmente, com cofragens de tábuas emprestadas, e muito engenho e arte para tudo ficar no sítio. As cofragens são fixas com arames, que passam por furos feitos nos blocos. Transporte de cimento com os chamados baldinhos, feitos com fundos de bidons e alças de fibra vegetal. Andaimes: troncos de árvore na vertical, bambu na horizontal, atados com os troncos, e entrando na parede já construída por buracos feitos para o propósito. À medida que se aumenta a altura das paredes, a plataforma dos andaimes sobe também, e de cada vez que se muda de parede lá temos de mudar as tábuas todas de novo.

E pronto, nesta sucessão de tarefas, temos uma casa construída. Sólida, bonita, boa. O grande orgulho neste momento da comunidade da aldeia de Macasselane. Bem, é verdade que é também o meu orgulho. Admito-o sem hesitar. Sinto-me orgulhoso de contribuir para esta fundação, e por pensar que daqui a muitos anos, voltando à aldeia, me posso ainda lembrar dos dias passados na construção daquele edifício. Aí virão ao de cima as memórias deste tempo. Por isso mesmo, possa eu merecer tudo isto. Porque percebo que o que vou vivendo não é um tempo fugaz nem passageiro. Aqui, agora, à medida que o tempo passa e as experiências se vão sedimentando, intuo que me vou construindo também. Ao mesmo ritmo que as paredes ganham altura, também eu vou sendo construido por esta vida que aqui levo. Sinto que me repito, mas a verdade é essa. Que daqui fica comigo muito mais do que aqui deixo é uma verdade tão óbvia que nem merece comentários. Parece mesmo um cliché, mas não posso fazer nada quanto a isso. É a verdade. O difícil é tornar essa constatação presente no dia a dia. Viver esse facto com liberdade, sem medo, com horizontes maiores. De há uns tempos para cá tenho alguns momentos de melancolia e ponho-me a observar as pessoas e os trabalhos em Macasselane. Esqueço-me por vezes até de fotografar. Fico ali, a olhar maravilhado, mas com o olhar um pouco desfocado, perdido. Não é tristeza, é antes a constatação do inevitável. De como me responde a vida a tantas questões, e de como quase sempre de maneira imprevista, inédita e, em verdade, muito ao lado do que eu esperaria. E isto implica muito. E implica acima de tudo aceitar as suas respostas, e perceber de uma vez por todas que posso viver sem saber as respostas todas, nem as direcções, nem os finais.
As sombras dos cajueiros vêm-me à memória. A sua silhueta difusa e fresca. E leio o que escrevo e nada disto diz o que quero dizer. Será muito mais simples. Absurdamente simples. Cada vez mais me vou convencendo que a vida é muito mais chã que parece. Apenas as escolhas podem ser cruzamentos mais agitados, mas o mundo é grande e não se consegue estar em todo o lado, nem conhecer tudo. O que é uma das maiores chatices das limitações humanas.
Tudo isto me vem ao pensamento à medida que relembro o dia e a satisfação de aqui estar e de tudo ser verdade. Portanto, à medida que se constroem paredes, é um pedro que se vai alteando, bloco a bloco, com betão armado, é certo, para as partes mais delicadas. E, esperemos, com uma bela pintura final.

20.08.08
Amanhã colocarei uma imagem da construção como está, com as paredes completas. É merecido.
Quanto a hoje, meus irmãos, a manhã foi um desses raros momentos que a vida nos trás, inesquecíveis, marcantes, que nos mostram quem somos. Hoje a obra está parada, a secar, à espera que amanhã chegue o carpinteiro para começar as asnas do telhado. Por isso, como chegaram já há dois dias o padre Ítalo e a Paola, de Itália, fomos visitar um menino a quem foi dado o nome do padre Ítalo. Seguimos pela estrada principal, mas a certo momento cortamos. E aí começa o maravilhamento. Continuamos tempos e tempos por uma pequena estrada de areia, mato adentro, cada vez mais longe de qualquer comércio, estrada, movimento. Apenas os cajueiros e as árvores da massala, pequenas machambas, e caminho, caminho. E a noção de nos perdermos cada vez mais neste interior profundo e longínquo. Pequenas aldeias de vez enquando, cada vez mais pequenas e dispersas. Viramos de novo, para um caminho ainda mais estreito. Mais quilómetros nesta paisagem quente e sedutora. Dá vontade de seguir a pé, descobrindo cada árvore, cada caminho, cada som. Chegámos enfim a um pequeno conjunto de palhotas e uma casa inacabada de tijolo. É da família do pequeno Ítalo. Família alargada, como sempre por aqui. Ritual do acolhimento: cadeiras no exterior, sentamo-nos e ali ficamos um tempo, para os cumprimentos e saudações. Fico expectante, ando um pouco, observo e calo-me. Mesmo por dentro fiquei calado. E ainda bem. Pude observar a bondade e a simplicidade daquelas pessoas. A sua presença amiga, a dureza da sua vida. Pude sentir a recepção amiga e reconhecida pela visita. Confesso que, deparando-me com algumas situações um pouco duras, que não escrevo neste momento porque sinto ferir a privacidade de quem me recebeu tão bem, me afastei um pouco a fingir que observava a paisagem. Mas não. Rezava e perguntava como é possível esta realidade, ao mesmo tempo tão agreste e tão calorosa. Como é possível a vida tão longe, num outro tempo distante, que começa onde termina a estrada e começa o mato sem fim. E senti um respeito enorme por aquelas pessoas, mesmo perguntando-me a razão de muitas coisas que me impressionam. Mas eles sabem muito melhor que eu como sobreviver por aqui. E isso confere-lhes uma dignidade que apenas o silêncio agradecido mostra reconhecimento. E por isso, sentei-me de novo e fiquei. A mãe do pequeno Ítalo reparou na minha presença, e colocou-me a criança ao colo depois de a adormecer. Fiquei feliz. Era um modo de comunicar. De dizer bem-vindo. Mais tarde fui ter com a mamã Rosa, que assava castanha de caju. Sentei-me a observar, e quando começaram a partir a casca assada pedi para experimentar. As crianças riam-se. A avó do pequeno Ítalo ofereceu-me a sua capulana para colocar por cima das calças, para não me sujar. E ali fiquei eu, com a mamã Rosa, partindo castanha de caju. Mas que tempo bom! Uma nova experiência, uma espécie de intimidade vivida no silêncio e em alguma conversa que surgia. Como me senti próximo e irmão. Que privilégio poder partilhar do seu trabalho, das suas rotinas, da sua vida. Se há teologia que nos mostre Deus, é esta. A teologia da proximidade, do trabalho e da presença. Sem palavras nem explicações, nem pensamento nem teoria. Ali, durante toda esta manhã, vivi. Foi um tempo da minha vida que realmente, profundamente, vivi. Como se durante um tempo viesse ao de cima quem sou. E não era nada mais do que estar ali. Não sei como vos explicar, posso dizer que fiquei de lágrimas nos olhos. Como quando na despedida, o avô da casa explicou que tinham muito pouca comida, que nos queriam oferecer um almoço bom, mas que não tinham quase nada, e mesmo assim ofereceram-nos duas galinhas e o caju que descascámos. Quando rezaram e cantaram para nós, como agradecimento e despedida, e esse mesmo avô, de lágrimas nos olhos, agradeceu a visita. Também quando depois ainda fomos a casa da mamã Rosa e nos ofereceram refrigerantes e bolachas e cantaram de novo para nós. O que podia eu fazer senão emocionar-me, rezar por dentro e sentir-me profundamente agradecido por tudo aquilo? Até a máquina fotográfica se calou. Fui incapaz de a tirar sequer do carro. Pareceu-me ferir aquele momento. Fica comigo. Poucos são os momentos em que perdemos a vontade turística de registar esta realidade, como recordação e interesse etnográfico. Ali não fui capaz, nem me fazia qualquer sentido. Ali eram eles, na sua dignidade, que me espantaram, e isso não se fotografa sem invadir o maravilhoso do momento. Só consegui ficar ali, a olhá-los. A todos, velhos e novos. E a ter a consciência de que sim, realmente é deles o reino dos Céus. Vi um bocadinho do paraíso no meio da dureza do mundo. Vi Deus, não na abundância, mas na falta. Porque é mesmo aí que está, naquela gente que mesmo na pobreza conserva um coração agradecido e bondoso.
Percebi, de modo até um pouco doloroso, que tenho um estar algo diferente. Digo doloroso porque, para além de certos detalhes que merecem ser contados pessoalmente, essa é a maneira que a vida tem de me ir mostrando caminho. E isso é muito bom mas assustador. Porque me faz ver que fico imensamente, e acreditem amigos que é mesmo mesmo imensamente, feliz por estar ali. E isso deixa-me atordoado. Há experiências fortes que nos deixam atordoados. Esta foi uma delas. E na verdade, foi uma resposta a perguntas que evito colocar. Quando as maravilhas do mundo vêm ter connosco, não podemos mais que aceitá-las, na sua grandeza e mistério. E calarmo-nos, porque Deus está a passar. Tantas orações vazias e secas, e eis que ali, no meio do mato, muito me esperava. Estes dias têm-me mostrado quem sou. Agora seja eu capaz de o viver.
E agora, já noite, sentado na cama, de computador no colo, releio isto tudo e vejo que falta muito. Faltam muitos olhares, expressões, paisagens, tempo, movimentos, crianças. Sorrisos. Falta a expressão do avô, que ao cantar uma canção religiosa, de acção de graças, acompanhado em cadência pelas mulheres, ficou de lágrimas nos olhos. Como cantava com alma e com verdade, e com que expressão! Uma voz baixa, quase rouca, em sintonia com a paisagem seca e contínua em redor. Esta simbiose entre paisagem, carácter da natureza e a música, aqui, fascina-me intensamente. Uma certa aspereza balanceada com uma cadência rítmica suave, quase maternal. Embala, dá vida e horizonte.
E assim vou adormecer, com estas memória presentes. Hoje, de volta, o padre ítalo perguntava o que recordava da visita. Na altura, em que não conseguia recordar nada porque ainda vivia tudo, disse que tinha ficado emocionado. Agora recordo que me vou lembrar durante muito tempo desse passeio mato adentro. Tal como os dias em Macasselane, que fazem já parte de mim e do mundo que descubro. Pois não é irónico que ao vir para ajudar alguma coisa, sou eu ajudado a perceber a minha vida? Que ao ir ter com as pessoas são elas, sem saberem, que vêm ter comigo, em encontros cheios de significado? Que ao fazer sou feito?
E como são únicos estes percursos ao encontro dos outros, em que o que há de mais profundamente humano é mais forte que tudo o resto. Em que um olhar e um tempo de silêncio nos dão a conhecer como raras vezes nos deixamos ver. Porque comunicamos o essencial sobre nós, o que nos anima e enche a alma, o que necessitamos, o que esperamos, o que vivemos. E o que é profundamente humano é profundamente divino. É uma espécie de relíquia. São encontros de um valor tal que não se esquecem facilmente. Como Macasselane, referência fundamental neste momento na minha vida. Só o estar lado a lado em silêncio é tão bom. Porque é que o mundo não se encontra assim? Sem mais expectativa senão o próprio encontro?
Bem, tanta palavra para quase nada. Porque tudo resumido, bem resumidinho, dá apenas isto: ando a viver tão intensamente tantas experiências porque ando a encontrar a minha vocação na vida. Só não esperava alguns pormenores, mas de resto sinceramente não é nada assim tão novo. Apenas a intensidade e a clareza dos significados. Mas isso é este modo moçambicano de dizer que chega o tempo. E como este sol que vi hoje nascer: não há espaço para muitas dúvidas, porque tanta luz e calor só pode ser coisa boa que aí vem.
Por isso venham caminhos mato adentro, que eu os espero, para percorrê-los com expectativa e alegria.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

fotografias (tipo artístico)

Aqui podem ver os andaimes, muito naturais. Mais reciclável e biológico não há. Troncos cortados "au moment", corda feita de casca de uma árvore que não sei o nome. Tudo tem um ar instável, mas a verdade é que aguenta! surpreendente!!!
o papá que me chama S. pedro!
A caminho de casa, ao final do dia. Que paisagem!!!


domingo, 17 de agosto de 2008

memórias e questões, com céu nublado ao fundo

17.08.08
Noites de lua cheia em Manjacaze. A noite é clara, o céu fica como se o dia estivesse prestes a nascer. As árvores têm sombra, e as folhas ficam brilhantes da luz branca da lua. O por do sol aqui é muito bonito, com o sol a prolongar-se pelo céu laranja. Um dia destes, ao chegarmos a casa, olhei para as ruas do bazar, e a luz do fim do dia transformava a paisagem. A poeira que anda incessantemente no ar brilhava com a última luz do dia, e tudo, as ruas, as lojas, as pessoas, tudo estava coberto por esse névoa dourada, quase opaca. O pó da terra que durante o calor nos chateia tornava-se numa neblina luminosa e viva. Esta luz africana! Este tom dourado e forte que a cada manhã se espalha pelo mundo, esta paisagem bonita que atravesso a cada ida ao nascer do dia para Macasselane. Inspira-me, e traz-me o ruído do dia que começa e da vida que até durante a noite não pára de acontecer.
Hoje, domingo, o dia tem estado cinzento, um dos raros dias invernosos aqui em Moçambique desde que cheguei. Invernoso na cor, porque o calor mantem-se, apenas um vento algo fresco e forte. Nota-se que lentamente o sol fica mais forte, o calor do meio-dia cola-se mais ao corpo, e os músculos sentem mais o peso do sol a pino. A sombra é cada vez mais apetecível, especialmente enquanto carregamos blocos e fazemos cimento durante a hora do almoço das crianças, enquanto esperamos pela nossa vez de almoçar, sentadinhos nos bancos de madeira sob a mafurreira junto da nova construção que toma já forma de casa.
Os avanços desta semana têm sido realmente notáveis. Estamos já no final das paredes, que concluiremos amanhã. O carpinteiro começará em breve o trabalho do tecto, enquanto nós batemos o pavimento para assentar o cimento do chão. Falta ainda muita coisa por fazer, incluindo rebocar e pintar, mas, ao final do dia, antes de regressarmos a casa, ao olhar para o que se tem feito, fico admirado. Especialmente pelo modo como tudo tem decorrido, como o nosso estimado refeitório tem crescido com a ajuda de muitas pessoas, sob o olhar contente e ainda curioso das crianças. Esta semana colocámos os blocos até ao topo das janelas, as vigas que rematam as janelas e a porta, e ontem ainda colocámos os blocos finais em duas das paredes. O processo demora mesmo assim menos do que eu esperava. Os andaimes são feitos de troncos cortados à medida que vão sendo precisos. Como apenas temos três tábuas fortes o suficiente para andaimes, temos de as mudar cada vez que colocamos blocos numa nova parede. E de novo se muda a altura dos andaimes, cada vez mais perto do topo das paredes, e assim se vai construindo. Nos últimos dias tenho-me dedicado à ilustre tarefa de partir pedra. Sentado num bloco, juntamente com outros papás, de martelo na mão, partindo pedra e restos de blocos de cimento em pedaços pequenos o suficiente para serem utilizados. As costas vão-se ressentindo, mas o que é bom estar ali, em silêncio, ouvindo a conversa dos papás em changana, ou conversando com eles sobre muitas coisas. Um dos papás é especialmente simpático. Ou melhor, todos são bastante simpáticos, mas um deles trata-me de modo mais próximo, mais paternal. Chama-me São Pedro, que é a invocação da capela da aldeia, mesmo ali ao nosso lado. Eu bem lhe digo que não sou santo, mas ele bem gosta de me chamar assim, e eu gosto também. É uma maneira carinhosa de falar comigo. Diz-me que o melhor era ficar por ali. Que até já tenho um terreno para mim, enquanto aponta para a capela. Eu rio-me. Não sei bem é do quê. Se do inusitado do convite, se da vontade que por vezes tenho de o aceitar.
A rotina do trabalho já me é familiar, e até o cansaço ao fim da jornada me parece fazer já parte de mim.
Gosto francamente de estar aqui, e de fazer o que estou a fazer. Francamente nem é a melhor palavra. Profundamente talvez seja melhor. Não é bem um gostar, mas um sentir que tudo faz sentido, que sou também este tempo e esta vida. Os pensamentos têm-me feito um pouco mais silencioso nos úlrtimos tempos. Uma reflexão mais calada, um olhar mais observador. Começo a conhecer cada árvore daquela parte da aldeia, a conhecer o percurso das sombras, a sentir-me acordar ao tirar água, enquanto olho para os cajueiros que já conheço de cor, ao ritmo do balançar de puxar a água. O caminho até ao poço, o tempo dos intervalos da escola, quando as crianças nos dizem bom dia quando passamos com a carrinha cheia de bidons. Já entro na palhota onde guardamos o material e a água com familiariedade, já sei abrir a porta, já não me sinto a invadir a casa de alguém. Já reconheço os risos, as vozes, o som da lenha a arder na cozinha. O ritual do almoço ,à sombra, a sucessão de tarefas. Partir pedra, carregar os blocos de onde estão a secar até à obra, serrar os blocos que necessitam de ser ajustados, a consistência certa do cimento. Puxa tábua, sobre andaime, coloca de novo tábua, subir o cimento e os blocos, esperar, partir mais pedra. Ver a obra a crescer. O caminho de volta, as curvas, as pessoas que encontramos pela estrada.
Os tempos mais prolongados de silêncio dos últimos dias têm a ver com um olhar de admiração para tudo isto. Como o desconhecido se torna tão familiar. Como consigo fazer o que nunca tinha feito. Como estou bem com quem não conhecia. Como me encontro a mim mesmo, aqui. Creio que a minha vocação na vida passa inevitavelmente por estar deste modo. Talvez a minha maior vocação nem seja fazer alguma coisa, mas estar. Conhecer, aprender, ter curiosidade, perguntar, observar. Aprender a linguagem, conversar, saber como é a vida, o dia a dia, as tarefas quotidianas. Talvez seja por isso que me sinto tão próximo das pessoas com quem passo agora os dias. Porque sou muito curioso em relação à sua vida, às suas tradições, ao seu sentir. E daí me vem o grande prazer destes dias. Não apenas o fazermos alguma coisa juntos. O que mais me emociona é o estarmos juntos. Por isso gosto tanto de aqui estar. Porque me interesso verdadeiramente .Sem juízos, sem crítica. Será este o maior dom que me foi dado, esta proximidade vinda do interesse em conhecer e entender. Sem mérito algum da minha parte, mas algo que me foi dado e que sinto verdadeiramente como dom a desenvolver e partilhar. Muita gente vem aqui para fazer, realizar, transformar, formar, ensinar, desenvolver. Também eu. Mas desenvolver o quê? Quem? Seremos nós, pretensos civilizados e cultos, capazes de ensinar alguma coisa útil? Nestes últimos dias penso que, a não ser a vontade de estarmos juntos, não temos nada para ensinar nem realizar. Mesmo aqui no centro nutricional, o que estas mães e avós precisam é que as ajudemo a cuidar das crianças. E pegá-las ao colo, a dar-lhes mimos. É isso que aqui as irmãs fazem. Não é necessário apenas ensinar-lhes como se faz, mas dar-lhes alento para serem elas a fazerem. Um deste dias uma das avós que aqui está sorriu pela primeira vez desde que aqui cheguei. Ficava sempre sentada, inexpressiva, de olhar vazio, a olhar para a pequena Helena, enquanto lhe dava de comer. Quando regressei dos 3 dias em Maxixe, ao ver esta bebé muito maior e com um ar muito mais vivo e saudável, fiz um sorriso de contentamento e uma festa tão grande que esta avó finalmente sorriu para mim. E não foi por eu lhe ter ensinado coisa alguma, mas por ficar contente por a sua neta estar visivelmente melhor. Porque fiquei genuinamente contente. E essa é a linguagem da proximidade. E agora, finalmente, esta mulher, cansada de uma vida difícil e dura, tem motivos para sorrir e ter esperança. Mas esse milagre acontece por ter alguém ao lado, que a tenta de algum modo compreender. Esta presença parece-me a única possível. Não que eu a cumpra rigorosamente, porque sinto também impulso de fazer, organizar, e melhorar, e outros verbos de acção completamente descabidos em tantas situações. Mas sinto, não sei se acertadamente ou não, que o mais importante é estar junto. Tudo o resto vem por acréscimo. Talvez seja o grande perigo de quem quer ajudar alguém, essa discreta mas vincada arrogância de quem acha que sabe o que é melhor em todas as situações, de quem decide por si mesmo, sem entender quem tem na sua frente. Por isso é tão mais fácil dar dinheiro do que dois dedos de conversa. Exportar programas e necessidades em vez de perguntar o que é realmente útil. Em português muito vernáculo, o pobre é pobre, não é estúpido nem incapaz. E aqui, pelo que vou conhecendo, é digno, valente e sorridente.
Toda a transformação virá de uma presença amiga. Não é assim com Deus? Não entra Ele na nossa vida como companhia, como uma mão amiga, como presença? E não nos deixa Ele decidirmos? É este um dos mistérios maiores, Ele querer estar aqui, comigo, com todos. Sem decisões unilaterais, sem ong’s, sem projectos complexos, sem estruturas burocráticas, sem carreiras promissoras nem cursos, nem quadros de chefia e comissões de planeamento estratégico e desenvolvimento de campos operacionais. Mas estar aqui. Não há maior esperança, maior dom, que esta simplicidade desconcertante.
Portanto, neste tempo de auto-crítica e reflexão, de experiência iniciática, não me parece possível coisa alguma que não nasça de um gosto e interesse sincero pelo outro, e pelo prazer da sua existência e companhia. E por um profundo respeito e admiração. Não o querer mudar, mas estar ao seu lado na realização de quem realmente é.
Como é que isso se faz? Não sei. Mas parece-me que partir pedra, carregar blocos e almoçar à sombra de uma árvore em alegre conversa pode ser um começo promissor. Possa eu merecer este bem que aqui me é dado.

khanimanbo

Mais uma vez agradeço as mensagens e comentários que vou recebendo. Tenho muito por vos contar, e muitas imagens para escolher. Gostaria de colocá-las todas, para terem a noção de como o trabalho está a andar bem, e, acima de tudo, para partilhar com vocês este tempo abençoado.
e sim, um dia destes é merecida uma fotografia com os dois Pedros. O mais pequeno já chegou aos dois quilos, o que quer dizer que já ganhou 200 gramas numa semana. O outro, de facto a mandioca e o amendoim safam-se porque o trabalho de aprendiz de pedreiro é duro, senão...
Daqui a uns dias vamos dar o nome ao pequenito, e aí oferecerei à avó as tradicionais capulanas e peças de roupa para o bebé. e é claro que vos envio as imagens de tão importante cerimónia!
Até já, que daqui a nada vou colocar mais umas palavrinhas.
Pedro, o grande (neste caso é de justiça, ihih)

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

lindos postais da grandiosa obra!!

Cá vão fotos da ñossa obra grandiosa!!! os avanços seguem a ritmo acelerado!
Ora aqui já temos parede!!! e como podem ver, a porta!!
Aqui é o Valente a colocar o betão nas cofragens. O balde que utiliza é a base de um bidon com uma alça feita com casca de árvore. Design mais design não há! As ditas cofragens!!
Aqui sim, o mulungo trabalhando, a fazer cimento!!! é ver e acreditar, eheh!
e aqui, hoje!!! olha só que bonito!




quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Vários dias de novidades e partilhas!

Muitos dias12.08.08
Muitos dias para por em dia, muitos acontecimentos para partilhar!
Preparem-se porque juntei vários dias numa mesma mensagem. Sentem-se e relaxem, que isto demora…
Bem, tento resumir a semana, desde quarta-feira passada até hoje, quarta ao serão.
Ora bem, quinta e sexta lá continuámos nós a grande e boa aventura de engenharia barra arquitectura barra construção. Ou seja, os meus dias são passados na muito digna profissão de trolha, ou de modo melhorzito, ajudante de pedreiro. Pois é, desenganem-se os que acham que se aprende tudo na escola! Nada mais falso! E o que seria da arquitectura sem este trabalho laborioso, aqui, ok, de um modo muito mais manual e “exótico”. Se fosse turista, afirmaria em tom eufórico enquanto disparava com a máquina fotográfica: “oh, so very tipical!”. Mas não sendo turista, mas sim, tendo a máquina fotográfica, passo para o outro lado do lindo quadro etno-antropológico e digo-vos amigos: isto devia ser estágio obrigatório para toda a gente! Pois não é que se aprende muito mais do que seria de esperar? Para além da consistência correcta do cimento, do tamanho da brita (que aqui tem sido restos de blocos e outros entulhos), de como se pisam bem umas fundações, etc etc…, aprende-se a trabalhar em equipa, a perceber por exemplo expressões como “estou a pedir ajuda”, para quando se pede alguma coisa. Parece-vos fácil de entender, mas acreditem que demora um tempo a habituarmo-nos á expressão. As minhas primeiras vezes ficava a olhar, e dizia “hum hum”, e só depois de alguns momentos de risota percebia que era naquele momento que a ajuda era precisa. Aprende-se também como se trabalha em conjunto, repartindo frequentemente as tarefas. Exemplos típicos destes dois europeus latinos: 5 minutos depois de estarmos com as pás, a escavar, um dos papás diz “deixájudár”, e nós damos aquela resposta tão insensata: “nããão, descanse mais um bocadinho que eu agora ainda comecei!”, e insistimos. E só depois começo a reparar num certo ar de desilusão. Mas que raio, eu ainda lhe possibilitei uns minutos extra de descanso, que bem precisa, e não fica feliz? Fica feliz sim, mas se eu deixar ajudar, para daí a 5 minutos trocarmos de novo. Para não cansar muito mano Pedro! Ora pois, que o trabalho se faz em equipa fraterna!
Avanços construtivos: já começámos hoje a colocar as vigas de betão armado e os pilares nos cantos. Temos parede de 4 filas de blocos, ou seja, uns 80 centímetros de altura! Já se vê parede! O estaleiro está cada vez mais modernizado, com carros de mão com rodas que não rodam, e tábuas a servir de cofragem. Viva a tecnologia improvisada! Realmente se vos disser que ao princípio ainda fiquei um pouco expectante, à espera de ver chegar o material…o material necessário faz-se. Os utensílios são objectos de design inteligente, a técnica vernacular no seu melhor. E funciona!
E lá vamos construindo uma casa…Um tanto pequena, é certo, mas é um bom começo.

Férias!!!!!
É verdade, o trolha mulungo ( o trolha branco) teve férias! Do estilo “Pedro vai ver o mar”. lembram-se dos livros da Anita? É mais ou menos assim…
Direcção Maxixe, a Norte. Estrada nacional sempre próximos do mar. Em Quissico, paramos num miradouro e lá está o Índico no seu esplendor, com uma série de baías e reentrâncias, intercalando o mar com coqueiros ondulantes. Parecia um postal! (que frase tão portuguesa, não é verdade?)
A paisagem vai mudando á medida que vamos subindo, e os coqueiros vão substituindo os cajueiros, cada vez menos abundantes. Chegádos a Maxixe já de noite o melhor estava para vir de manhã. Cidade frente a uma imensa baía, luminosa e difusa às primeiras horas do dia, de um azul transparente e um horizonte largo recortado por oceano e coqueiros, ilhas e penínsulas, areais e água transparente. No lado oposto da baía, a cidade de Inhambane, ainda com um ar muito colonial, de pacata vila tropical, sem muito barulho nem movimento. Pela manhã fui até ao cais de embarque de maxixe, onde se apanham os barcos que a ligam a Inhambane. Não pensem nos barcos de tróia nem nos cacilheiros, pensem antes nos barcos que vão às grutas de Lagos. Passeei um pouco na praia a ver o movimento dos barcos, alguns mais pequenos, com velas triangulares, ligeiramente oblíquas e leves, carregando pessoas e mantimentos. Os pescadores, as vendedoras de cocos e mandioca, um casamento pronto para embarcar. A noiva com um verdadeiro vestido de noiva, obviamente branco, e o noivo, de braço dado, de fato obviamente preto, seguidos pelos convidados. Um desfile tirado de um filme, especialmente porque os recém-casados caminhavam com o ar mais triste de toda a gente que ali estava. Disseram-me que as noivas devem fazer um semblante acabrunhado e triste. Nesse caso esta era uma noiva mesmo a sério! E o noivo também.
No domingo fomos passear a Mongué, uma aldeia perto, que termina numa outra enseada igualmente bonita. O caminho é acompanhado pela visão do Índico recortado por algumas pequenas ilhas e uma comprida península. Baixios de areia aparecem com a maré vazia, e a transparência do mar deixa ver o seu fundo, mesmo ao longe. Magnífico!
Talvez sejam os coqueiros os responsáveis pela visão edénica deste cenário. O coqueiro é uma daquelas árvores que nos reportam automaticamente para paisagens tropicais, melancólicas, azuis e verdes, uma vida simples e lenta. Não sei porquê, talvez por em Portugal só existirem nos jardins relvadinhos e limpinhos das cidades tipo rivieras lusas. E por isso a sua visão traz-me memória do longínquo e diferente. A verdade é que por mais que demore o olhar nesta paisagem ondulante e translúcida, parece-me não ver bem o que vejo. Estou mesmo assim tão longe de casa como a paisagem me faz entender? Mas não me sinto longe, sinto-me perto.
Será que sou um coqueiro e não sei? Passadas estas sensações, fico novamente com a impressão de que sou de uma paisagem e de um tempo e lugar que não aquele em que vivo. Que me sinto em casa quando estou longe, porque me sinto perto de outra coisa que me puxa por memórias e me faz sentir um regresso. Será da beleza do local? Será que a beleza é algo tão profundamente essencial na natureza que quando a percebemos sentimo-nos regressar ao nosso lugar na criação? Creio que sim, e é nesta beleza do mundo que me sinto parte da vida que por estes lados teima em continuar, num movimento contínuo de recriação.

13.08.08
De volta ao trabalho!
Acabaram-se as férias e na segunda de manhã lá vimos nós recambiados á grande vila de Manjacaze. Bem, imaginem o grande com um lado algo irónico…porque ao sairmos da estrada nacional voltamos à estrada de terra batida, cor de laranja, com alguns bocados a 3 km hora, devidos aos buracos.
Mas sabem uma coisa? Que bom é voltar a esta casa. E voltar à grande obra em Macasselane!
Grande notícia!: já temos a primeira janela! Quer dizer, mais propriamente o buraco. Já temos uma viga em betão armado completa, e uma das paredes ficou hoje (dia 13) com o buraco da janela. As fotografias virão amanhã!!
Estes dois dias de trabalho têm corrido bem, com uma sessão matinal de encher bidons de 0 litros cada com água para levar para a obra e para as refeições. De cada vez são entre 13 e 15 bidons, e lá para as oito horas, com um céu azul muito azul, e os cajueiros de um verde brilhante, estamos nós a encher bidons. A fonte tem um manípulo em metal, que se baixa e sobe para tirar água. Assim sendo, as manhãs começam com o ritmado barulho da tarefa aquífera, entre árvores e o silêncio da aldeia. Depois, o trabalho continua em força! As paredes vão subindo, o betão armado secando e os blocos recém feitos secam ao sol, em filas paralelas perto do grande cajueiro junto à capela. As crianças ajudam nos intervalos das aulas, carregando água e lenha, e estão já habituadas aos novos habitantes temporários da aldeia.
Tenho muita vontade de conhecer melhor a aldeia, mas o tempo que lá estamos é todo para trabalho, e por isso fico sem possibilidade de passear e ver os vários bairros que compõem Macasselane. Bairros é o nome técnico, porque são pequenos aglomerados de casas, espalhados por entre as árvores. Cada família tem várias palhotas, e existem algumas casas em tijolo. Até agora descobri três lojas! Bem, ok, pequenas casas, muito pequenas casas, muitas das vezes fechadas, e quando precisamos de alguma coisa, gritamos “dê licença”, e alguém acaba por aparecer. Até que gosto disso. Os papás que trabalham connosco são mesmo muito simpáticos, e oferecem-nos iguarias gastronómicas. Sim, amigos, porque quem não trabuca não manduca, e eu tenho manducado mesmo bem (como podem imaginar…).
Ora que ontem, no calor do dia de sol (só tivemos um dia algo nublado atá agora), um dos papás descasca um coco fresco, que é como quem diz, tira com a catana toda a fibra exterior do coco verdadeiramente dito (que está dentro da casca verde), faz um buraco, e eis o milagre! Água fresca, levemente doce! E depois coco ainda mole, tirado com uma navalha. Hum!! Nem conseguem imaginar, eheh. Isto é só para quem trabalha em Macasselane!
Hoje foi a vez da papaia e da chiguinha de cacana. Cacana é uma erva muito amarga, que se cozinha com amendoim e mandioca. Como tinhamos falado que eu já tinha experimentado e gostado muito e o Alessandro ainda não tinha comido, as mamãs prepararam hoje para nós todos. Muito simpáticas! Para além das tangerinas que por estes lados são ligeiramente diferentes das nossas…e do chá a meio da manhã, e da mgumbula (mandioca) cozida, assada ou crua…e da chima… e da verdura com coco fresco ralado no momento e amendoim pilado também ao momento…enfim. Não pensem já mal, porque comemos os que as crianças comem, e isto só prova que estão bem alimentadas, pelo menos ao almoço!
Estou cada vez mais á vontade com os papás, as mamãs e o Alexandre e o Valente, os dois jovens (sim, jovens da minha idade) que orientam a construção. A vida aqui corre bem, e estou muito feliz com este trabalho e principalmente com a relação que vou estabelecendo com a aldeias e as pessoas. Ainda vai dar muito que falar, e muitas dúvidas vão aparecendo. Até porque a vida vai dando muitas voltas, e vocês sabem como isso é verdade na minha vida. Por isso parece-me que algo se está lentamente a formar cá dentro. Vamos ver…Não se assustem, que não fico por cá…pelo menos desta vez…
Bem, tenho muito mais para vos ocntar, mas isso fica para a próxima mensagem, que esta já vai longa. Vou por fotografias e mais texto assim que conseguir ter tudo preparado.
Até breve amigos!